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20 de dezembro de 2022
Povo Yanomami e a esperança de um horizonte indígena
Em recente sobrevoo ao território Yanomami, o Greenpeace, jornalistas da Rede Globo de televisão e a líder indígena e deputada federal Sonia Guajajara, confirmaram a existência de uma rodovia clandestina de 150 quilômetros construída em terras desse povo indígena.
Entrevista Sônia Guajajara

Entrevista com Sônia Guajajara

O território Yanomami é o maior território indígena do Brasil e está localizado nos estados de Roraima e Amazonas, na fronteira com a Venezuela. Foi oficialmente demarcado pelo governo daquele país em 1992. Há povos indígenas já contatados e povos isolados no território, ameaçados pela extração ilegal de madeira e pelo aumento desenfreado do garimpo.

Está documentado que, nesse cenário, aproximadamente 110 comunidades (de um total de 300) da Terra Indígena Yanomami são diretamente afetadas pelo desmatamento, destruição e contaminação da água e do solo causados ​​pelo garimpo. Enfrentar a criminalização e a violência, especialmente contra as mulheres, por defenderem suas terras e as violações de seus direitos à terra, ao território, à saúde e ao meio ambiente saudável.

Em recente sobrevoo ao território Yanomami, o Greenpeace, jornalistas da Rede Globo de televisão e a líder indígena e deputada federal Sonia Guajajara, confirmaram a existência de uma rodovia clandestina de 150 quilômetros construída em terras desse povo indígena e a instalação de quatro máquinas pesadas para a extração de minerais. A chegada do maquinário pesado aumenta a vulnerabilidade dos Yanomami, reduz o acesso à própria comida (que eles colhem) e acelera a destruição do meio ambiente.

Uma forma de preparar o terreno

Nos últimos quatro anos, durante o governo Bolsonaro, houve cumplicidade e articulação para negligenciar deliberadamente o combate ao garimpo em território indígena. O presidente deu permissão para que essas atividades crescessem. E no passado período eleitoral, enquanto todos os olhares estavam voltados para as campanhas, os empresários dos garimpos aproveitaram para construir essa via clandestina em apenas 4 meses e facilitar a entrada das máquinas. Tudo isso ocorreu sob a calculada ineficiência do Estado brasileiro, em cumplicidade entre poderes, caso contrário, não teria avançado tanto. Só no governo Bolsonaro, triplicou o número de garimpeiros ilegais em território Yanomami.

Isso mostra que não só temos que impedir a entrada dos garimpeiros como também desvendar a operação do crime organizado que invadiu o território Yanomami e combater as forças políticas e empresariais que promovem essa estrutura para a prática do garimpo ilegal. Já não bastam as operações policiais pontuais para retirar os garimpeiros e suas máquinas, é preciso um programa contínuo de combate ao garimpo ilegal que ofereça alternativas econômicas a esses garimpeiros e mantenha uma fiscalização constante nas terras indígenas, entre outras coisas.

Garimpo: uma crise ambiental e humanitária de mais de 20 anos

O garimpo e seus impactos são apontados pelos povos indígenas há mais de 40 anos. A organização indígena Hutukara tem constantemente denunciado a presença de garimpeiros, a invasão territorial dos garimpos e a violência contra as comunidades por parte dos garimpeiros . Há precedentes de violência muito fortes, como tiros contra indígenas, estupros de mulheres ou dragas que sugaram crianças. Além disso, casos de desaparecimento de menores no rio durante a fuga dos garimpeiros. Se os Yanomami denunciam, os garimpeiros retaliam com ações cada vez mais violentas. Os povos indígenas da região estão morrendo por causa da mineração.

Ao longo dos anos, a resistência indígena na terra Yanomami se fortaleceu e se articulou. Organizações não-governamentais que trabalham no terreno já apresentaram uma série de reclamações e ações legais. A APIB, por exemplo, entrou com uma ação judicial pedindo ao STF a retirada dos invasores de vários territórios, inclusive dos Yanomami, mas até agora nada foi feito.

Infelizmente, o governo não tem se disposto a expulsar os invasores e acabar com a exploração ilegal dos territórios indígenas. Durante o governo Bolsonaro, as decisões do Supremo Tribunal Federal derivadas de investigações que demonstraram invasões, desmatamento e garimpo ilegal em território indígena foram contestadas sob a justificativa de que, como o problema é muito antigo, não seria resolvido em quatro anos de governo.

A economia não pode ser baseada na exploração dos territórios indígenas. É preciso promover políticas de proteção ao meio ambiente, que eliminem invasores e protejam a vida e o território do povo Yanomami. Com a articulação de políticas sociais, ambientais e econômicas, será possível frear essa prática dentro dos territórios indígenas. Não há como pensar em crescimento econômico desconectado da agenda ambiental e dos direitos humanos dos povos indígenas.

Momento histórico para os povos indígenas

Pela primeira vez na história, os povos indígenas estão discutindo política indígena, desde as raízes. Não como foi feito antes. Fazemos parte da equipe que prepara a transição de governo. E é fruto de longos anos de luta por visibilidade, respeito ao nosso modo de vida e cumprimento de nossos direitos.

Não queríamos ocupar cargos em partidos políticos e no governo porque entendemos que o Estado não nos dá condições suficientes para realizar nosso trabalho, de acordo com nossas demandas. Mas agora entendemos que temos que fazer parte dessa estrutura, porque temos pessoas preparadas, pessoas comprometidas, pessoas responsáveis, e estamos defendendo isso junto ao governo Lula, para que tenhamos condições não só de formular políticas em legislatura, mas também para implementar essas políticas.

É importante falar sobre o papel da mulher indígena nesse momento histórico. Temos duas mulheres indígenas articuladas com o movimento, que foram eleitas deputadas federais, duas mulheres que também estão sendo propostas para assumir o Ministério dos Povos Indígenas e uma mulher sendo proposta para a Secretaria dos Povos Indígenas.

As mulheres conseguiram avançar em pouco tempo com a ocupação de espaços no fórum político. E cá entre nós estamos conseguindo acompanhar esse protagonismo dos nossos companheiros. Com esta ocupação de espaços a curto prazo, mostramos que também estamos dispostos a assumir espaços para além das nossas cidades.

Tempo de reconstrução: uma agenda indígena

Estamos saindo de um período de desmonte para retomar a democracia no Brasil. É uma transição com a presença e participação indígena, que sempre teve um papel secundário ou de resistência, para assumir também o papel de estar no Parlamento Estadual com poder de execução. É tempo de reconstruir e dar origem às prioridades que vão garantir as nossas vidas:

  • Retomar a demarcação dos territórios indígenas.
  • Garantir a proteção dos povos isolados, considerando o alto índice de invasões e destruição de seus territórios que os coloca em situação de alta vulnerabilidade.
  • Assegurar uma estrutura financeira para questões de saúde – um sistema que está prestes a entrar em colapso devido a cortes orçamentários – e para questões de educação para os povos indígenas.
  • Implementar uma estratégia de segurança para defensores dos direitos indígenas.
  • Devemos pensar mais a médio e longo prazo nas ações, com os direitos dos povos no centro. Proteger os povos indígenas e evitar que crises ambientais e humanitárias -como a vivida na Terra Indígena Yanomami- continuem crescendo.

Precisamos contar com a mobilização da sociedade civil, apoio internacional, articulação de redes nacionais e internacionais, para continuar pressionando, lutando até que nossos direitos sejam respeitados e nossas reivindicações atendidas. É tempo de estarmos juntos a pensar num projeto de país que se adapte a todas as pessoas e que respeite todas as sociedades. Nós, povos indígenas, estamos prontos para liderar uma nova história.

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